19/03/2012

FOTOGRAFIA da SEMANA



“Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força”, as palavras de ordem inscritas no Ministério da Verdade, que vinham várias vezes à lembrança de Winston em ‘1984’, de G. Orwell, podiam ser as palavras pensadas por este solitário a quem tamanha missão deram.
Missão de aplanar o mar! Como se este pudesse transformar-se em chão sólido, já que estradas líquidas nele existem! Este homem está só com a sua máquina, no estranho labirinto interior em que se transformou esta imensidão de areia lisa de coisa nenhuma. Diz a canção que o mar, quando bate na areia desmaia, mas tantos desmaios constantes já teriam levado à não-existência e, nem mar nem praia existiriam, se apenas canção a canção não fosse.
Não, este homem não leu Orwell, este homem nem sabe cantar, este homem sabe apenas a tarefa que lhe deram, sem a compreender, sabe também que o mar há de voltar e areia trazer e areia levar. Como este homem e esta máquina, enormes na sua insignificância, assim estamos todos, perante a incongruência verídica do slogan no Ministério da Verdade: a Paz do mar que caminhos deu pode ser a guerra dos homens; a Liberdade das ondas que altas enrolam vai trazer a escravidão das máquinas mas a Ignorância que permite ver não pode esconder a força de tudo querer.
Há mar e mar…. há ir e voltar…. E o poder para tudo isto ser?
O poder? Esse, diria Winston, esse vem de Deus!

Foto: Osvaldo Castanheira
Texto: Maria dos Anjos Fernandes
Postado por Carlos Cotter

10/03/2012

FOTOGRAFIA da SEMANA



Experimentemos duas possibilidades para visualizarmos esta imagem que, por ser imagem, estática está.
Pensemos observá-la na margem oposta do lago. Veremos pessoas numa combinação perfeita de momentos, quiçá descritos por Thomas Mann na sua Montanha Mágica em que o espírito e a natureza andam a par com a saúde e a doença, numa primavera ou verão alpinos, fazendo do tempo da espera de desfechos quase sempre previsíveis, um tempo de ilusões para projetar o futuro que é sempre um tempo inexistente porque, quando lá chegamos, é sempre o presente que se transforma impreterivelmente em passado.
Mas a quietude do lago e das árvores, onde não observamos ventanias nem as tempestades interiores, abraça a serenidade postural de quem observamos e a nós não vê porque não estamos lá. Mesmo que estivéssemos, teríamos olhos de silêncio, atentos apenas ao essencial. E este essencial deslumbraria pela perfeição de momentos irrepetíveis entre Homem e Natureza.
Podemos supor que estamos no lado oposto e observamos tudo o que à nossa frente está, coincidente com quem está e nos volta as costas. Então, surge-nos a analogia com os Buendía que G. Garcia Márquez nos leva a supor viverem em Macondo, terra dos cem anos de solidão. Ali estão eles, todos os ‘José Arcádio’, todos os ‘Aureliano’, todos os ‘Melquíades’, todas as ‘Úrsula’, todas as ‘Amaranta’ de costas para o exterior de si próprios, acreditando que aqueles bancos e árvores parados no tempo e no espaço são a sua casa abençoada, que é naquele lago que está a possibilidade alquímica de ouro obter.
Mais importante que o ouro será o encontro que determina o fim da procura: cada um se pode rever num lago – espelho onde passado, presente e futuro coexistem na visão hedonista em que pode existir um elixir permanente de ser. Ser com o Outro, de Si e Para Si!
Eis o Santo Graal de cada um de nós.
Não o procuremos.
Se quisermos, encontramo-lo no pensar e no ser que vamos sendo.
Basta que não tenhamos pressa e nos sentemos num qualquer lugar assim, imaginando que chegamos ao Paraíso.

Foto: Osvaldo Castanheira
Texto: Maria dos Anjos Fernandes

Postado por Carlos Cotter

04/03/2012

PALESTRA de IRENE PIMENTEL


Postado por Carlos Cotter

FOTOGRAFIA da SEMANA


A dimensão onírica que é conveniente termos, leva-nos a reinos do imaginário que criamos ou que interpretamos.
Nem sempre é fácil sairmos do paradigma do pensamento muito racional, estereotipado em símbolos e determinado por mais ou menos preconceitos e modelos interpretativos da realidade.
A tecnocracia e o pragmatismo estão na ordem do dia e vão relegando para os confins da ‘Terra do Nunca’ algum assomo de diferença.
Não obstante, a imaginação, o insólito, o improvável, surgem.
Se olharmos bem a beleza aparece perante nós, se quisermos colocar em ação o essencial da essência que somos: seres de cinco sentidos funcionais e estruturantes do real; mas seres que têm também inúmeras possibilidades de cumprir a dignidade da humanidade com que este mundo nos recebe e nele mantém. É nessa perspetiva que podemos ambicionar ir para além do tempo calendarizado e do espaço delimitado que nos acolhem. Se conhecemos e pensamos, também sentimos, temos afetos e experimentamos emoções; atrevemo-nos a imaginar. Podem ser subtis as diferenças com que vemos e estamos no Mundo mas, qual passo de Armstrong ou um pequeno ovo de Colombo, podem modificar o Cosmos e a nós próprios, na realidade construída.
Não estranhemos pois este Livro que de madeira parece, assente na representação esférica do Mundo que o sustém.
Pensando bem, o Mundo tudo comporta. No limite, aceitemos o instante zero da explosão inicial e a libertação máxima de energia que tudo já continha, que a tudo deu origem e que de novo tudo incorpora e transforma. Já comportava este Livro!
Ah, o melhor de tudo é aceitarmos que também lá estávamos como homo-sapiens-demens com a nossa capacidade demiúrgica e única de criação que nos faz pensar que, se das árvores é feito o papel, por que não o papel ser árvore transformada em Livro, para nele se escreverem estórias, recados, momentos, desenhar corações que Cupido manda terem setinhas certeiras ao coração do Outro?

Foto: Osvaldo Castanheira
Texto: Maria dos Anjos Fernandes

Postado por Carlos Cotter

01/03/2012

Livro do mês de Fevereiro: Alma de Manuel Alegre

Livro do mês de Fevereiro: Alma de Manuel Alegre
Parabéns aos aurores da crónica vencedora:

                                     Alma,  de Manuel Alegre

“Ao longo de 174 páginas, Manuel Alegre faz desfilar diante dos nossos olhos as recordações de infância de um menino chamado Duarte de Faria. Os sons e costumes da aldeia, os jogos de futebol nas tardes de Domingo, a política, a família, a escola, as brincadeiras, as descobertas próprias da idade. O dia a dia na pacata aldeia de Alma, em plena época de Estado Novo.” Isabel Maia
Durante o ato de ler, o excesso de pormenores, salvo raras exceções, encaminha a leitura a tornar-se um procedimento maçudo e conduziria, consequentemente, à desmotivação do leitor. No entanto, de forma incrivelmente espantosa, Manuel Alegre corta, com uma espécie de tesoura inalcançável ao toque, esses momentos aborrecidos de descrições rigorosas, introduzindo passagens mais cómicas e que encorajam a travessia das quase duas centenas de páginas que constituem Alma. Impressiona a serenidade com que o autor relata acontecimentos respeitantes à sua própria vida, relativamente à qual seria de esperar que este possuísse certos constrangimentos. Ao invés, o autor partilha essas vivências de forma descontraída, sem hesitação.
A palavra que confere título à obra é tão suave quanto a leitura da mesma. As palavras dão a sensação que estão untadas com qualquer óleo que as faz escorregar pelos nossos olhos. É, então, importante avisar o leitor que é um risco de grande magnitude ler Alma, que é tal qual as tão míticas plantas carnívoras que, quando o invasor tenta escapar por entre as suas pétalas, aparentemente inofensivas, o prendem de forma furiosa, e é assim que à combinação de palavras se submete o leitor que bem tenta controlar, bem tenta cerrar o livro, mas acontece que a obra não o permite sem antes deliciar quem o tenta encerrar com mais umas palavrinhas, como se estivesse a implorar para que não a deixem encostada numa qualquer prateleira coberta de pó, como se estivesse a tentar conquistar o leitor, e a pedir: lê-me.
As palavras de Isabel Maia exprimem o conteúdo do livro que é, além de um romance autobiográfico, um importante documento histórico que retrata a realidade do Estado Novo, as dificuldades inerentes à vivência na década de 40. Todos os conflitos de que ouvimos ocasionalmente falar e que nos custa a crer que assim foram, que se fizeram guerras, que sangue inocente foi derramado, estão aqui documentados, sob uma perspetiva bastante diferente da que nos é apresentada pelos manuais de história, pelos museus. De entre os acontecimentos lembrados, destacam-se a oposição entre os republicanos e os monárquicos, a guerra civil espanhola, a segunda guerra mundial e as vitórias dos aliados. Ganham enorme relevo, durante a narração, a crença cega na religião, o medo da morte e os terrores supersticiosos que amedrontavam a população daqueles tempos.
    Manuel Alegre transmite as suas vivências pela voz de Duarte de Faria, e é comovente a forma como o autor recorda de forma orgulhosa e nostálgica a família e os momentos passados com o seu pai no campo de futebol: “Não sei o que lhes disse naquele dia mas aos dez minutos da segunda parte, já o beira-rio tinha reduzido para dois a três. Lembro-me perfeitamente do segundo golo: Armandinho foi marcar um corner, meu pai deu umas instruções e Almiro veio de trás e marcou.”
    A qualquer pessoa marcam aspetos da infância, cheiros, sons, vozes e imagens, aspetos esses que, quando nos são avivados na memória, oh, que sabor esse! A Manuel Alegre, ou melhor, Duarte de Faria, marcou-o A Loja - “Mas aquela era a Loja, com maiúscula. (…)  Era a maior loja da vila, com um balcão retangular, como o das grandes lojas dos filmes ingleses e americanos, com as suas fazendas desdobradas em cima do balcão, as cadeiras altas onde se sentavam o Ti Florêncio, seu filho Artur e os empregados mais antigos. Cheirava a lã, a fazenda e a serradura espalhada pelo chão nos dias de chuva.”-  e, como a um qualquer adolescente, marcaram-no as primeiras experiências da sexualidade que o autor, sem quaisquer pudores, descreve ao pormenor: “Às vezes levantavam as saias e mostravam-me o que tinham entre as pernas. Não usavam calcinhas e via-se uma mancha de pelos pretos. Pint......., diziam elas. Depois metiam as mãos na vagina: c…, diziam.”
        Aconselhamos vigorosamente a leitura deste livro, pois é um texto de memórias com alma. E, como todos nós temos um passado, todos os leitores se sentirão integrados no livro. Este livro é dinâmico, atraente e desperta uma variedade de sentimentos o que irá, sem dúvida, cativar o leitor, não o deixando guardar o livro na estante sem o ler até ao fim.

10ºE  Grupo IV  Andreia Dias, Carla Coutinho, Inês Miranda e Inês Barata





Postado por Carlos Cotter